A condição humana pressupõe a convivência com o próximo, pela formação de uma família, ou não, para a consecução de objetivos individuais e coletivos. Aristóteles tratou o homem como um ser político, eminentemente sociável, que alcança realização plena na polis, destacando a precariedade da existência quando isolada (ARISTÓTELES, p. 20). É em sociedade que se pode encontrar êxito na vida.

Vivendo em comunidade, nasce no ser humano diversas outras necessidades, seja materiais ou imateriais. Para alguns, cuidam de quesitos extremamente úteis para o desenvolvimento da vida, e acaba despertando o interesse do homem.

Diante da pretensão e sem possibilidades de obtê-la, “seja porque (a) aquele que poderia satisfazer sua pretensão não a satisfaz, seja porque (b) a própria ordem jurídica proíbe a satisfação voluntária da pretensão”, o indivíduo não logra a inteireza do seu ser. Nessas situações, caracteriza-se a insatisfação da pessoa, um fator antissocial, capaz de gerar angustias e tensão individual e social (DINAMARCO; BADARÓ; LOPES, 2020, p. 43).

Na iminência de conflitos, o que mais preocupa é a tendência de dilatação, caso não sejam rapidamente solucionados, gerando mais problemas ao ser humano.

O conflito intersubjetivo, ou o conflito de interesses entre duas ou mais pessoas ocorre quando “[…] a situação favorável à satisfação de uma necessidade exclui, ou limita, a situação favorável à satisfação de outra necessidade” (ALVIM, 2020, n. p).

Assim, havendo resistência, o conflito assume feições de lide ou litígio, um modo de ser, ou como definido por de Carnellutti, um “[…] conflito de interesses qualificado pela pretensão de um dos interessados e pela resistência do outro” (ALVIM, 2020, n. p). 

No âmbito familiar a existência de conflitos e a consequente dissolução da união, gera inúmeros conflitos constantes à divisão de bens, guarda dos filhos, pensão alimentícia. Possíveis divergências que podem ser mais acentuados caso cheguem na via judicial.

Nesses aspectos, é preciso considerar que “como os componentes da família têm uma relação contínua, problema nos reiterados contatos podem desgastar o relacionamento e deteriorar a comunicação a ponto de criar um espiral de incompreensões e mal-entendidos” (TARTUCE, 2019, p. 15).

Também é preciso relevar o panorama familiar que quase sempre, imputa a responsabilidade pela formação e sobrevivência dos filhos somente à genitora, que acaba sendo forçada a assumir uma jornada dupla de trabalho. A questão da divisão de bens, o pagamento da pensão alimentícia. São variados os conflitos em âmbito familiar.

Assim, importa “a noção de conflito como possível objeto de transformação, mudança e, quiçá, evolução do ser humano, razão pela qual sua abordagem deve se dar da forma mais adequada possível” (TARTUCE, 2021, p. 17).

Por certo, há uma “tensão envolvida no conflito, e a perspectiva jurídica busca enfrentá-la a partir da noção de satisfação dos interesses. Satisfazer alguém, contudo, tende a ser algo mais complexo do que simplesmente lhe apresentar a resposta oferecida pelo ordenamento jurídico” (TARTUCE, 2021, p. 7).

Dessa forma, advém outra necessidade tocante à pacificação. É preciso que a lide seja solucionada para que a própria estrutura do Estado não seja comprometida, pois “[…] o conflito de interesses é o germe de desagregação da sociedade” (ALVIM, 2020, n. p). Faz-se necessário que as partes retornem ao status quo de passividade.

Diante da existência de conflitos, há a busca pela satisfação dos interesses – que aqui será desenvolvido pela ótica autocompositiva, uma forma mais evoluída (que a autotutela), principalmente na execução dos direitos, onde as próprias partes fazem uso do diálogo para resolver seus desentendimentos.

Neste interim, o direito tem a missão de harmonizar as relações sociais intersubjetivas, de modo a ensejar a realização máxima dos valores humanos com o mínimo de sacrifício e desgaste (DINAMARCO; BADARÓ; LOPES, 2020, p. 257). Assim, fazem necessários meios que solucionem os impasses em tempo hábil e, principalmente, de modo efetivo.

A composição significa a ação de compor um todo, juntar as partes, um arranjo. No viés jurídico está relacionado a um regramento. É resolver, restabelecer segundo a ordem legal. A passividade pode então ser restabelecida pela atuação do direito objetivo que aplica a lei ao caso concreto (TARTUCE, 2021 p. 17).

Assim, “deve-se buscar o meio idôneo para a abordagem, o encaminhamento, a composição e, se possível, a salutar transformação do conflito, com o intuito de promover sua leitura como uma experiência positiva em termos de vivência e aprendizado” (TARTUCE, 2021, p. 19).

Os meios apropriados ou adequados de solução de conflitos surgiram nos Estados Unidos – Alternative Dispute Resolution – ADR, “cuja sigla designa os procedimentos em que não há a intervenção do juiz para impor às partes uma decisão, e que são pautados, em síntese, pela celeridade, informalidade, economia e pela busca de soluções criativas”.  Além do que, prescindem da existência de um processo judicial e da prolação de uma decisão impositiva de um juiz para solucioná-los”. No Brasil, são conhecidos como MASC – Meios Alternativos de Resolução de Conflitos; MESC – Meios extrajudiciais de Resolução de Controvérsias, RAD – Resolução Apropriada de Disputas” (ALMEIDA, 2021, p. 60).

Desse modo, diante das precariedades do sistema jurisdicional, e da necessidade de pacificação social, vai ganhando corpo a consciência de que, o que realmente importa é “pacificar, torna-se irrelevante que a pacificação venha por obra do Estado ou por outros meios, desde que eficientes”. Além do que, tem se percebido com veemência que “o Estado tem falhado muito na sua missão pacificadora, que ele tenta realizar mediante o exercício da jurisdição […]”  (DINAMARCO; BADARÓ; LOPES, 2020, n. p).

Além da necessidade de possibilitar que a sociedade tenha conhecimento dos meios de composição de conflitos, é preciso que elas tenham acesso, de modo a configurar o acesso e o resultado justo. É o que se pretende com a mediação.

A solução das questões familiares exige a atuação dos próprios envolvidos, sem participação de um terceiro que não conhece detalhes da relação controvertida e, sem maiores formalidades, possibilitando o restabelecimento da relação e a efetividade da decisão.

á um grande potencial da mediação de “transformar a interação conflituosa, fortalecendo e aumentando a compreensão mútua das pessoas envolvidas em desavenças”. Desta forma, “a mediação se humaniza com seu potencial de modificar os seres humanos e a sociedade” (JONATHAN; AMERICANO, 2021, p. 202).

Importante salientar que a principal meta da mediação na modalidade transformativa é ajudar o relacionamento entre as partes, estimular satisfação em substituição ao relacionamento causador de mal-estar.

O modelo transformativo visa promover mudanças na comunicação, tanto factual quanto emocional, entendendo “como algo contínuo, um processo co-evolucionário, interativo, constante, de ação verbal, não verbal e interpretação por meio do qual as pessoas criam, mantém, negociam e transformam suas realidades sociais” (SHAILOR, p. 73, apud JONATHAN; AMERICANO, 2021, p. 205).

Nesse modelo, cabe ao mediador, por meio da comunicação, “fomentar construções positivas de si, do outro e da situação. A redefinição é o recurso técnico de comunicação a ser utilizado pelo mediador transformativo no objetivo de ajudar as pessoas a promoverem tais elaborações construtiva e, assim, transformarem seu conflito”. São propostas:

(i) fazer perguntas que encorajem uma nova maneira de refletir sobre as questões; (ii) reformular as declarações dos envolvidos. […] (iii) declarações de posicionamento em declarações de interesse; (iv) orientações negativas em positivas; (v) enfoques no passado em enfoques no futuro; (vi) perspectivas individuais em sociais; (vii) posicionamentos de certezas em posicionamentos de possibilidade (JONATHAN; AMERICANO, 2021, p. 206).

Por certo, o propósito é transformar o conflito. E, com a transformação do conflito, que as partes cheguem a um consenso. Diferente “da sentença judicial, que e? uma solução imposta por um terceiro alheio ao conflito (juiz), que muitas vezes se distancia do real motivo que levou os litigantes a pleitear o pronunciamento judicial (SILVA, p. 27).

Na mediação transformativa as partes são incentivadas a refletirem a respeito dos próprios problemas, a analisar as questões em várias perspectivas.